Diferente
do que diz a teologia da prosperidade, que promete felicidade intensa, júbilo
permanente e um estado constante de êxtase e progresso espiritual; na verdade,
o cristão está sujeito a crises e oscilações em sua fé e espiritualidade.
Os
salmos têm sido uma fonte muito rica de exemplos de homens que expressaram com
muita sinceridade suas frustrações e decepções diante de Deus.Tomemos como exemplo o Salmo 42:
(3-4) "Minhas
lágrimas têm sido o meu alimento de dia e de noite, ... Quando me lembro destas coisas choro
angustiado." (10) "Até os meus ossos sofrem agonia mortal ..."
Pinçando algumas expressões do salmista vemos claramente
um quadro de crise. A tristeza dá o tom dominante e o choro é uma presença
contante. Até mesmo o apetite se foi, uma vez que o salmista agora se alimente
de lágrimas. Ele demonstra uma
sensibilidade a flor da pele, quando a simples lembrança de outros tempos o faz
chorar. Há um abatimento geral e todo seu corpo sofre a sua angustia.
Mas é quando olhamos mais atentamente os versos 3 e 4 que
persebemos a natureza espiritual desta crise:
(3-4) Minhas lágrimas têm sido o meu alimento de dia e de
noite, pois me perguntam o tempo todo: "Onde está o seu Deus? "
Quando me lembro destas coisas choro angustiado. Pois eu costumava ir com a
multidão, conduzindo a procissão à casa de Deus, com cantos de alegria e de
ação de graças entre a multidão que festejava.
Temos aqui a descrição de um crente em crise. Alguém cuja
a fé está extremamente abalada. No centro de sua angustia esta uma pergunta que
vem de fora, mas encontra eco dentro do seu coração: "Onde está o seu Deus?" A dor que esta pergunta provoca
no salmista somente se justifica pelo fato de que em seu coração ele faz o
mesmo questionamento.
A crise se agrava, uma vez que o salmista sente falta de
algo que não pode ser entendido pelos descrentes, ele sente falta da comunhão
de seus irmãos e da alegria na presença de Deus. Neste sentido, o crente em
crise sofre mais que um descrente. Ele tem em seu coração a memória de um
anseio que só pode ser preenxido pelo próprio Deus.
(1-2) Como a corça
anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma
tem sede de Deus, do Deus vivo. Quando poderei entrar para apresentar-me a
Deus?
Assim,
o salmista angustiado busca reagir a sua crise através de dois exercícios espirituais.
Primeiro ele conversa consigo mesmo e em segundo lugar ela ora ao seu Deus.
Vamos nos ater aqui somente ao primeiro exercício, a importância de conversar
consigo mesmo.
(5-6) "Por que você está assim tão triste, ó minha
alma? Por que está assim tão perturbada dentro de mim? Ponha a sua esperança em
Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador e o meu Deus"
Neste
momento, o salmista não está falando com Deus, mas falando com a sua alma, a
narrativa parece demonstrar que Deus
permanece em silencio neste processo, ele não entra nesta conversa. Alias, um
dos sintomas de uma crise espiritual é a percepção do silencio de Deus. Neste momento
onde Deus parece distante preciso agora chamar a minha alma a razão.
Lloyd
Jones comenta ao expor este salmo que "falar
com o nosso eu é diferente de deixar que o nosso eu fale conosco", ou
seja se deixarmos nossa alma amargurada falar conosco, ela provavelmente
repetirá as palavras venenosas e malignas, "Onde
está o seu Deus?", mas quando decido falar a minha alma, posso
exorta-la: "Ponha a sua esperança em
Deus, pois ainda o louvarei!"
"Por
que você está assim tão triste, ó minha alma? Por que está assim tão perturbada
dentro de mim?" O salmista permanece se questionando, se há
mesmo razão para tanta tristeza e angustia.
A
ansiedade possui o poder de tomar conta do nosso coração mesmo que não existam
razões para isto. A ansiedade é como um medo sem objeto definido, é a apreensão
sem um motivo exato; é a falta daquilo que não sabemos exatamente o que é.
Em
nossa crise não enxergamos as coisas com elas de fato são, e também não
conseguimos enxergar a ação de Deus em nossas vidas, por isso precisamos chamar
a atenção do nosso coração para que ele olhe na direção certa.
Questionar
a si mesmo é um exercício espiritual fundamental na caminhada cristã, como
parafraseou o poeta Stenio Marcius:
"Puxa uma cadeira ó minh´alma
Que eu quero te perguntar
Porque me roubas a calma
Me botas tristeza no olhar?
Vamos entrar num acordo,
Vida tranquila viver.
Lembra daquilo que o mestre falou:
A minha graça te basta!"
O pastor Ricardo Barbosa em seu artigo
"perguntas que equilibram as emoções" nos sugere algumas outras
perguntas bíblicas e terapêuticas, que o cristão em crise deve fazer a sua
alma:
Se Deus é por nós, quem será contra nós? Romanos 8:31
Qual a
razão de tanto medo e ansiedade, se de fato entendo que Deus está do meu lado?
Existe
alguém ou alguma coisa que seja maior do que Ele?
Aquele que não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou
por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as
coisas? Romanos 8:32
Se Deus
demonstrou por mim um amor capaz de dar seu próprio filho, poderia eu ousar
duvidar deste amor? Existe alguma coisa da qual sinto falta que seja maior do
que esta dadiva de Deus?
Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É
Deus quem os justifica. Romanos 8:33
Se de
fato fui perdoado por Deus, porque ainda sinto o peso da culpa? Porque ainda me
sinto acuado pelos meus próprios pecados?
Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou
angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Romanos 8:35
Por que me sinto só, uma vez que as inúmeras
circunstancias adversas somente servem para me aproximar ainda mais de Cristo?
Duas
vozes ecoam no coração de um cristão em crise, uma voz precipitada e rancorosa
insiste em perguntar, "onde está o
seu Deus", a outra
pacientemente convida, "ponha a
sua esperança em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador e o meu
Deus." É preciso decidir a qual
voz atenderemos.
Recomento que você ouça a canção "Acordo" do
compositor Stenio Marcius, que traduz em bela poesia o que tentamos expor neste texto:
Parte
dos argumentos deste texto foram extraídos do livro "Depressão
Espiritual" de D. M. Lloyd Jones e do artigo "perguntas que
equilibram as emoções" do Pr. Ricardo Barbosa.
http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/322/perguntas-que-equilibram-as-emocoes
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